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Educação


A crueldade do currículo com as meninas do ensino médio



Agora que o Ministério da Educação começou a discutir sobre a construção de uma base nacional curricular, algo já consolidado, por exemplo, na Dinamarca e na Califórnia, precisamos intensificar uma discussão sobre o tipo de currículo adotado no ensino médio.  Quem acompanhou um pouco do último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) viu que o tema da redação pegou tanto as meninas como os meninos de surpresa. Ele não deveria ter surpreendido as meninas se elas tivessem uma prática argumentativa verbal e escrita nas escolas de Ensino Médio.

Valeria fazer uma pesquisa, para diagnosticar quantas conseguiram fazer uma boa argumentação escrita sobre o tema. Penso que o resultado seria negativo, pois o currículo triste, voltado para o treinamento estéril, não proporciona momento e nem condições de elaboração própria. Muitos alunos também não querem isso. A maioria quer ideias prontas a serem digeridas e repetidas em provas. É uma lástima. E o currículo reforça isso, pois a quantidade de assuntos a serem estudados não permite a construção de uma análise de qualidade. Aliás, o que menos existe é análise nas escolas de ensino médio.

Nem aluno, nem professor, nem pais, ninguém quer isso. Querem repetir verdades prontas em provas. Isso não vai ajudar a construir cidadania crítica nunca. Apenas cidadania tacanha, subalterna, educação para a submissão. Sinto pena ao ver alunos repetindo supostas verdades sem jamais perguntar pela consistência delas. O mito da objetividade científica é intocável no currículo dessa fase. Quando se discute a sexualidade e a expectativa dos papéis sociais masculinos e femininos no ensino médio? Bem pouco.

Na obra ?Histórias Íntimas: Sexualidade e erotismo na história do Brasil?, por exemplo, há descrições assustadoras de como as mulheres assimilaram e viveram valores extremamente cruéis, vindos da religião católica, do patriarcalismo, da política e da jurisprudência brasileira. Evidentemente, chama atenção ver que apesar de um pensamento dominante perverso para as meninas e mulheres do Brasil colônia e persistentes até hoje em vários ?lares?, sempre existiram mulheres que pensaram diferente de sua época, bancaram isso, pagaram o preço por isso, mas geraram grandes transformações na história das mentalidades.

Um dos capítulos que considero mais fascinantes da História brasileira é o referente à campanha higienista ligado ao conceito e processo civilizatório iniciado na Europa, no século XIX, repetido, no Brasil, por médicos higienistas. Gostei muito desse tema no mestrado e, por hora, estou revisitando essa discussão nas obras de Mary Del Priori, ex-professora da Universidade de São Paulo (USP) e da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ, pós-doutorada na Écoledes Hautes Étudesen Sciences Sociales, de Paris.

As meninas precisariam conhecer essa autora e a pesquisa dela sobre a sexualidade feminina no Brasil Colônia. É algo que, adotado no currículo do ensino médio, como tema optativo, ajudaria em muito as meninas, no mínimo, nessa grande discussão sobre conflito e ideologia de gênero. Desculpem os técnicos e colegas professores, mas está tudo errado. Os alunos vão para o Enem fazer uma redação sem a preparação de um tema que diz respeito direto a eles. Por isso que as redes sociais ficaram repletas de manifestações preconceituosas, conforme minha filha me contou.

Leia esse fragmento da obra citada: ?As ideias de teóricos importantes, como Sabbathier, Tissot ou Pestalozzi, corriam o mundo. Mulheres começaram a pedalar ou a jogar tênis, voga importada da Europa. Não faltou quem achasse a novidade imoral, uma degenerescência e até mesmo pecado. Perseguia-se tudo o que pudesse macular o papel de mãe dedicada exclusivamente ao lar. Algumas vozes, todavia, se levantaram contra a satanização da mulher esportiva. Médicos e higienistas faziam a ligação entre histeria e melancolia ? as grandes vilãs do final do século ? e a falta de exercícios físicos.? (PRIORI, p. 112).

Já pensou um currículo que possibilitasse um estudo interdisciplinar desse tema, por exemplo envolvendo Biologia, Religião, Filosofia, História, Sociologia? Penso que seria fantástico. Mas o currículo do ensino médio continua com o trabalho isolado dos professores. Por isso, cruel.

José Antônio dos Santos

Mestre pela UFSJ

Contato: joseantonio281@hotmail.com



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Escrito por Educação, no dia 08/01/2016




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