Com um colete fluorescente, apito na boca e um sorriso no rosto, José Geraldo de Azevedo, o Zezé Ventura, recebe os clientes no Supermercado Azevedo. Mas quem vê o bom humor do manobrista não imagina a preocupação que ele divide com milhares de pessoas: aos 58 anos, ele se vê inseguro diante das mudanças propostas pela reforma da Previdência. O texto, que caminha para ser aprovado a toque de caixa, vai manter milhões de brasileiros no mercado por mais tempo, ao estabelecer nova idade mínima de 65 anos (homens) e 62 anos (mulheres) para a aposentadoria. E até não haveria problema, se o próprio mercado não estivesse tão ruim para essa faixa etária: no comércio, menos de 10% dos empregados têm mais de 50 anos.
Os dados mais recentes da Relação Anual de Informações Sociais (Rais - 2017) mostram que em 11 de 21 segmentos econômicos há menos trabalhadores com idade superior a 50 anos que a média nacional. Segundo o levantamento, 16,6% dos 46 milhões de trabalhadores com carteira no país tinham entre 50 e 64 anos, mas essa fatia era menor justamente nos setores que mais empregam, como indústria e comércio. Esses 11 segmentos concentram 60% dos empregos no país. O comércio tinha a menor fatia de empregados com mais de 50: só 9,67% dos mais de 9,1 milhões de funcionários no setor. Na indústria de transformação, que empregava 6,7 milhões de pessoas, a participação era de apenas 12,6%. Em comparação, a fatia dos trabalhadores com idade acima de 50 anos na administração pública era de 27,8%.
Para os especialistas, a diferença está na rotatividade. Nos setores em que trabalhadores tendem a ficar menos tempo em seus postos é mais comum a troca dos mais velhos pelos mais novos. Já na administração pública, há estabilidade.
A nova cara do mercado
Uma soma de fatores deve mudar a cara do mercado de trabalho brasileiro. Um deles é natural. A população brasileira está envelhecendo. O outro é exatamente a reforma, que manterá os trabalhadores no mercado por mais tempo. De acordo com o IBGE, a fatia de pessoas com mais de 65 anos, que hoje está na casa dos 9,2%, alcançará 15% da população já em 2034, ultrapassando a barreira de 20% em 2046. Em 2010, estava em 7,3%. E até 2060, 1 em cada 4 brasileiros será idoso. Um estudo da Consultoria iDados, com base na Pnad Contínua, do IBGE, mostra que o número de pessoas com 50 anos ou mais trabalhando cresceu 20% entre 2012 e 2018. Já a população ocupada total subiu 3,2%. O grupo entre 14 e 49 anos encolheu 1,5%.
Se, de um lado, o número de idosos trabalhando cresce, a renda não consegue acompanhar e é bem menor que a os trabalhadores mais jovens. A renda média real de quem tem 50 anos ou mais passou de R$ 2.654 para R$ 2.766 em sete anos, aumento de 4,2%. Já a dos trabalhadores entre 14 e 49 anos passou de R$ 1.893 para R$ 2.118, alta de 11,9%, mais que o dobro que a dos mais jovens. O estudo mostra manutenção da concentração dos mais velhos em trabalhos domésticos e na agropecuária, embora tenha identificado alta em atividades ligadas a vendas e serviços financeiros.
Desemprego agrava o quadro
O problema, no fim das contas, acaba sendo agravado pela falta de empregos. O país registrou uma taxa de desemprego de 12,5% no trimestre encerrado em abril deste ano. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-C), divulgada no dia 31 de maio pelo IBGE, a taxa é superior à registrada no trimestre encerrado em janeiro deste ano (12%) mas inferior à observada no trimestre encerrado em abril de 2018 (12,9%). A população desocupada ficou em 13,2 milhões, 4,4% a mais do que no trimestre encerrado em janeiro (mais 552 mil pessoas), mas estatisticamente estável ante o trimestre encerrado em abril de 2018 (13,4 milhões de pessoas). No momento, jovens e idosos encontram dificuldades para se recolocarem. Se a economia voltar a crescer, vai faltar jovem, ou seja, a melhor política de inclusão dessa faixa etária acaba sendo a abertura de mais vagas.
O valor do trabalho
Manobrista na carteira e animador de festas infantis nas horas vagas, Zezé Ventura assumiu cedo suas responsabilidades: “Com 7 anos eu já entregava marmitas e vendia salgados no Morro da Mina (região nordeste). Hoje estou com 58 aos trabalhando aqui, mas muitos gostariam de estar no meu lugar, e não estão. Fica mais difícil conseguir trabalho depois que a gente faz 50 anos”, conta Zezé, que aprendeu na prática os segredos para se manter ocupado: “Muita gente pede o emprego, mas, na hora que consegue, não faz o serviço que a firma precisa que seja feito. Se eu estou aqui até hoje é porque eu faço bem feito e as pessoas gostam do que eu faço”, explica.
O receio só aparece quando o assunto é a reforma da Previdência. “Eu trabalho há muitos anos. A gente vai chegando ao final, eles vão mudando as regras e a gente se vê perdendo os direitos que conquistou com o nosso suor. Acho que deveriam corrigir os erros, porque muita gente recebe sem trabalhar, mas a gente que trabalha tem o direito de receber. Eu mesmo fico com medo. Acho que ainda faltam uns 15 anos para eu me aposentar, e se continuarem mudando, não sei se chego a aproveitar a aposentadoria. A gente passa a vida toda trabalhando, ajudando a Previdência, para, no fim das contas, não ter direito algum. Deveriam mudar muita coisa neste país. A começar por olhar mais por aqueles que trabalham e têm os seus direitos para receber”, finaliza.
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Postado por Redação, no dia 21/06/2019 - 10:58