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Cultura


Em 1961, pela primeira e única vez na história, obras de Aleijadinho saíram de Congonhas



foto: arquivo Museu de Arte Brasileira



Na história de Congonhas, por diversas vezes, a população impediu que esculturas de Aleijadinho fossem retiradas da cidade para serem expostas em diferentes estados brasileiros e em outros países. Em 1978, por exemplo, os moradores proibiram que quatros imagens em cedro das capelas dos Passos do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos fossem retiradas do local para participarem de uma exposição no Museu de Arte Moderna (MAM). A atitude liderada pelos congonhenses provocou elogios e críticas de especialistas e diversos jornais, mas acabou sendo profética, pois três meses depois o MAM foi dizimado por um incêndio que destruiu 90% de seu acervo.

Existe, contudo, uma ocorrência bastante importante, embora desconhecida pela maioria dos historiadores, pesquisadores e órgãos culturais, que merece ser registrada nos anais da história de Congonhas. Em 1961, pela primeira e única vez na história, algumas esculturas de Aleijadinho saíram de Congonhas e foram expostas em São Paulo.

No início da década de 1960, a Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) criou o Museu de Arte Brasileira(MAB). Para inaugurá-lo, a direção programou a exposição “Barroco no Brasil”, organizada por Lourival Gomes Machado, crítico de arte, historiador e professor da Universidade de São Paulo (USP).

Para apresentar o barroco brasileiro em seus vários aspectos, os organizadores reuniram esculturas, pinturas e mobiliários cedidos por importantes museus, entidadesreligiosas e colecionadores oriundos de Minas Gerais, Pernambuco, Paraíba, Rio de Janeiro e São Paulo. Segundo O Globo, na exposição os visitantes teriam a oportunidade de apreciarem “peças provenientes de diferentes regiões do Brasil, muitas delas pouco conhecidas e de difícil acesso, que pela primeira vez se encontram reunidas”. [01]

Com autorização de dom Oscar de Oliveira, arcebispo de Mariana, e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), foram emprestadas ao Museu de Arte Brasileira cinco obras em cedro de Aleijadinho, peças que compõem o acervo de imagens da Capela do Horto – também chamada Agonia. “Após um século e meio de existência, pela primeira vez deixa Congonhas um grupo de entalhadas pelo Aleijadinho”, registrou o Senhor Bom Jesus, jornal editado pelos padres redentoristas que administravam o templo religioso.

No início de julho de 1961, as imagens foram retiradas da capela e transportadas de caminhão para São Paulo, sob a guarda de homens armados. A retirada das imagens foi acompanhada pelo citado professor Lourival Gomes Machado, autor do livro “Reconquista de Congonhas” (1960), por Edison Mota, Chefe do Laboratório de Restauração e Conservação do IPHAN, e Antônio Joaquim de Almeida, do Museu do Ouro. “E a saída pela primeira vez em toda a história da Basílica do Senhor Bom Jesus de Matosinhos de um conjunto de imagens torna-se efetivamente um caso inédito de nossas crônicas”, escreveu o Senhor Bom Jesus.

Preocupado com a repercussão da notícia, o periódico religioso alertou os fiéis: “Tranquilizem-se os romeiros do jubileu, pois a permanência das imagens na capital paulista será apenas de um mês. Quando se iniciarem as tradicionais romarias do jubileu — de 7 a 14 de setembro — as estátuas já estarão de retorno em Congonhas”. [02]

De acordo com os redentoristas, a exposição beneficiaria a cidade ao promover seu acervo artístico: “O leitor bem poderá aquilatar o alcance publicitário que a exibição trará para nossa cidade e o interesse que há de despertar no sentido de se tornarem mais conhecidos os tesouros artísticos das obras do Aleijadinho em Congonhas”. [03]

A exposição "Barroco no Brasil" foi inaugurada em 10 de agosto de 1961, no Museu de Arte Brasileira, e foi divulgada nos principais jornais do país. A revista O Cruzeiro intitulou-a “O Aleijadinho vai a São Paulo” e apresentou aos seus leitores os momentos mais significativos da exposição que contou com a presença de pessoas ilustres como o presidente Jânio Quadros, os governadores Carlos Lacerda, do estado da Guanabara, e Carvalho Pinto, de São Paulo, além de Annie Alvares Penteado, presidente da FAAP, e Lúcia Pinto de Souza, diretora do MAB. O Globo informou: “A visita do Presidente da República foi tumultuada pela aglomeração de populares, mais interessados na pessoa dele que propriamente na exposição”. [04]

Quando o presidente parava perto de alguma peça para apreciá-la, os fotógrafos ficavam eufóricos querendo que fizesse pose. No início foi tranquilo, mas depois ele ficou incomodado. A certa altura, Jânio Quadros disse a um deles: “Tenha dó, eu não sou Elizabeth Taylor”.

Composta por 300 peças, além das obras de Congonhas, a exposição também contou com outras preciosidades, como telas de Manuel da Costa Ataíde e a escultura conhecida como "Pastor de Presépio", ambas fornecidas pelo Museu da Inconfidência, situado em Ouro Preto. Junto às cinco obras originais provenientes da Capela do Horto, Congonhas foi adequadamente representada por outras reproduções, já que o IPHAN cedeu ao museu réplicas de gesso de dez das doze estátuas originais dos profetas de Aleijadinho.

Embora a seleção reunisse importantes itens, segundo o Suplemento Literário publicado na capital paulista, as obras provenientes de Congonhas eram consideradas “um dos pontos altos da exposição”. [05] Opinião compartilhada pelo jornal O Globo: “Para citar apenas alguns dos pontos altos da mostra, diremos que de Congonhas veio todo o magnífico Passo do Horto”. 

No dia 22 de agosto, Sérgio Buarque de Holanda fez uma visita à exposição. Na ocasião, após elogiá-la, o escritor do renomado “Raízes do Brasil” expressou a opinião de que seria interessante que as réplicas dos profetas ficassem em São Paulo. “O Patrimônio Histórico e Artístico Nacional poderia conservá-las expostas em nossa capital, não apenas como atrativo, mas também como centro de estudos”, declarouHolanda. “Os interessados poderiam, então, estudar detidamente esta expressão da arte apresentada agora no inestimável patrimônio da sensibilidade brasileira, que é a Fundação Armando Alvares Penteado”. 

Como temos conhecimento, no futuro os moradores opor-se-iam à remoção das esculturas de Aleijadinho de Congonhas. No entanto, naquele ano de 1961, eles aceitaram de modo pacífico o empréstimo, o que foi elogiado. O Correio Paulistano, por exemplo, destacou o caso como um exemplo a ser considerado:

"Se o trabalho para reunir todas essas peças encontrou dificuldades de um lado, por outro, houve compreensão e boa vontade. Sabemos por exemplo, que a população de Congonhas do Campo cedeu com entusiasmo um dos Passos, mas houve uma cidadezinha em Minas cujos habitantes se opuseram à remoção de valioso Cristo. Essa gente simples, numa atitude que se compreende, não queria deixar sair a imagem de sua igreja e vários homens e mulheres se postaram à porta do templo na tentativa de impedir a remoção ainda que por empréstimo. Foi necessária a intervenção de autoridades e a muito custo aquele punhado de gente concordou".

Três semanas após a inauguração da exposição, o jornal Senhor Bom Jesus comemorou o sucesso do evento ressaltando a participação do município. “Congonhas se encontra muitíssimo bem representada com o Passo da Agonia. Em vários jornais e revistas do país e do exterior têm sido publicadas fotografias de nossa ceia”, festejou o periódico. “Sim, foi um passo bem acertado, este da ida destas figuras à Exposição de Arte Barroca. Imaginemos Congonhas ausente ou mal representada. Constitui a viagem destas imagens mais uma fonte de incremento a nosso turismo”. [09]

Embora os órgãos eclesiásticos tenham garantido que as imagens retornariam no início de setembro para as festividades do Jubileu de Congonhas, elas permaneceram em São Paulo até o término da exposição, que se deu no dia 30 de outubro, após grande sucesso.

Pois bem, é oportuno registrar que, curiosamente, a saída das imagens de Aleijadinho de Congonhas, em 1961, uma das efemérides mais importantes de nossa história, é um assunto desconhecido pela maioria dos pesquisadores, historiadores, instituições religiosas e órgãos culturais.

​Por exemplo, a ocorrência não é mencionada em nenhum dos livros escritos pela historiadora Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, uma das maiores especialistas das obras deAleijadinho em Congonhas. Igualmente, no livro “Museu de Congonhas: relato de uma experiência” (2017), escrito por Jurema Machado, ex-presidente do IPHAN, apenas são citadas as duas vezes em que os moradores resistiram à retirada das esculturas da cidade, em 1978 e 1983. Da mesma forma, no Museu de Congonhas, no painel “A reconquista de Congonhas”, onde são apresentados os principais acontecimentos do sítio histórico, não existe nenhuma referência, sendo ressaltadas as mesmas ocorrências apresentadas por Jurema em sua obra.

Isto posto, o artigo apresentado joga luzes sobre um assunto quase desconhecido, abrindo, assim, novos horizontes aos pesquisadores da história do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, das obras do mestre Antônio Francisco Lisboa e do município de Congonhas.

Referências:

[01] - O Globo, 14 de agosto de 1961.

[02] - Senhor Bom Jesus, 15 de julho de 1961.

[03] - Senhor Bom Jesus, 15 de julho de 1961.

[04] - O Globo, 11 de agosto de 1961.

[05] - Suplemento Literário, 12 de agosto de 1961.

[06] - O Globo, 14 de agosto de 1961.

[07] - Correio Paulistano, 23 de agosto de 1961.

[08] - Correio Paulistano, 19 de agosto de 1961.

[09] - Senhor Bom Jesus, 1º de setembro de 1961.

[10] - “Por duas vezes, uma delas pouco antes do título, a comunidade reagiu fortemente e chegou a bloquear a retirada de peças para exposições, mesmo que temporárias, uma delas no Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro (MAM Rio), em 1979, e outra em Nova York, em 1983”. In: MACHADO, Jurema. Museu de Congonhas: relato de uma experiência. Brasília: UNESCO, 2017, p. 24.

Fontes consultadas:

Correio da Manhã, 25 de julho de 1961; Correio Paulistano, 15 de julho de 1961; Correio Paulistano, 2 de agosto de 1961; Correio Paulistano, 9 de agosto de 1961; Correio Paulistano, 11 de agosto de 1961; Correio Paulistano, 23 de agosto de 1961; Correio Paulistano, 17 de setembro de 1961; Correio Paulistano, 24 de setembro de 1961; Correio Paulistano, 28 de outubro de 1961; Correio Paulistano, 29 de setembro de 1961; O Cruzeiro, 9 de setembro de 1961; O Globo, 5 de agosto de 1961; O Globo, 11 de agosto de 1961; O Globo, 14 de agosto de 1961; Senhor Bom Jesus, 15 de julho de 1961; Senhor Bom Jesus, 1º de setembro de 1961; Suplemento Literário, 12 de agosto de 1961.

Artigo: Paulo Henrique de Lima




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Postado por Nathália Coelho, no dia 18/09/2023 - 07:20


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