Nas últimas semanas, o Jornal CORREIO tem acompanhado o drama dos comerciantes, que amargam uma queda sem precedentes na arrecadação. Em função do isolamento social, esse ‘buraco’ chega a 100% em alguns casos, como academias, por exemplo. Com os custos mantidos, muitos segmentos não encontram outra opção, a não ser a demissão. E esse ponto tem mexido com a vida de muita gente: divididos entre o medo da contaminação e o da perda de emprego, trabalhadores também vivem um momento angustiante, cheio de dúvidas e incertezas. Para alguns, o desemprego já é fato consumado e não há vagas em aberto para disputar. Outros aguardam o desenrolar desta crise, conscientes de que, mesmo com a retomada das atividades, não há como estimar quando a melhora seria sentida ou se seus cargos serão mantidos, já que o país vive ‘a crise dentro da crise’. Em Lafaiete, uma pesquisa do Sindcomércio aponta para a demissão de 3.400 trabalhadores.
É o caso de uma comerciária ouvida pelo Jornal CORREIO. Pedindo o sigilo de sua identidade, ela revelou ter sido desligada da sua função em uma clínica de estética, onde era fichada e ganhava um salário de comércio: “Fiquei sem trabalhar no fim de março e, na metade do mês de abril, meus patrões optaram por me desligar, assumindo o compromisso de me chamarem novamente assim que a pandemia passar. Recebi meu fundo de garantia e dei entrada no meu seguro desemprego. Atualmente, estou em casa, de quarentena, aguardando a situação melhorar. Lamento a situação do comércio, pois a gente sabe que é o maior empregador da região e, por causa da doença, pode não se recuperar mais. Mesmo podendo voltar a trabalhar, não sei se minha vaga vai sobreviver à pandemia e nem se meus patrões vão reabrir a clínica. Está tudo muito difícil”, conta a comerciária, que se posiciona favoravelmente ao distanciamento social: “Moro com minha avó, que é idosa. Por isso, tenho que tomar muito cuidado para não transmitir o vírus para ela”, avalia.
Esse mesmo cenário nebuloso preocupa o presidente do Sindicato dos Empregados no Comércio de Conselheiro Lafaiete e Região (Sindcomerciário), Laércio Camilo Coelho: “A pandemia tem afetado drasticamente a vida de todos - não seria diferente para os comerciários. A curva de contaminação é crescente e é impossível prever se a vida econômica da cidade retomará seu curso normal com a volta do comércio. Muitos se preocupam com a manutenção de seus empregos, já que aguardam pela convocação ao trabalho, sendo expostos ao contágio ou ao risco da temida demissão, caso o isolamento perdure por longo prazo”, pontua.
Mesmo ciente dos impactos na economia, Laércio chama atenção para o que classifica como falso dilema da vida x economia: “Não se deve considerar um em detrimento ao outro. Reabrir o comércio não seria priorizar a economia em desfavor à vida? Há de se questionar qual fato alterou positivamente o cenário da pandemia desde o início das medidas de isolamento até o dia de hoje, para justificar a reabertura do comércio? Quantos novos testes, leitos, ventiladores e demais equipamentos foram adquiridos neste período? De que modo foi ampliada a capacidade para enfrentar a Covid-19? Se o isolamento viu-se necessário anteriormente, o que alterou-se para que não seja mais, se não exclusivamente pela saúde econômica das empresas, entregando ao risco de contágio a saúde do trabalhador?”, questiona.
Esses questionamentos feitos pelo líder sindical ainda não teriam sido respondidos a contento. Quando perguntamos sobre as medidas que serão tomadas para proteger os comerciários nessas situações, Laércio informou que o Sindcomerciário não tem tido acesso às tratativas e nem ao plano de reabertura: “Nós, como entidade representante dos trabalhadores no comércio da região, não fomos formalmente convidados a participar das discussões, não compomos o “Comitê de Crise” e não tomamos conhecimento do plano para a retomada das atividades do comércio. Pela ausência de dados oficiais e de informações cruciais, não podemos tomar partido quanto à reabertura ou não do comércio. Só temos consciência de que enquanto não forem amplamente sanadas as questões aqui levantadas, pelo compromisso com a vida e saúde dos trabalhadores, o relaxamento das medidas de isolamento se demonstra precipitado”, avalia.
Por esse motivo, a palavra que resume sua posição sobre uma possível iminente abertura é cautela. Ele lembra que a doença tem transmissão rápida, mas de lenta evolução. “São 14 dias de incubação e até uma semana para perceber os sintomas de uma síndrome gripal. Enquanto isso, pode haver transmissões comunitárias de forma assintomática, e se nós não detectamos precocemente, uma semana depois, podemos ter um número grande de contaminados. Isso levaria a um novo fechamento do comércio, porém, desta vez, com o saldo de dezenas de transmissões comunitárias”, alerta Laércio, usando como exemplo experiências já realizadas, como caso de algumas cidades que reabriram o comércio e voltaram atrás na decisão, como em Blumenau (SC), que amargou aumento de 173% dos casos de Covid-19. “Retardar a propagação é a única forma de diminuir os impactos sobre o Sistema de Saúde e reduzir o número de mortes evitáveis com um atendimento adequado”.
Uma das preocupações centrais nessa retomada diz respeito às situações em que evitar aglomerações não é uma escolha ao alcance da maioria. Conforme pontua, trabalhar em veículo próprio não é uma realidade para todos. A maioria da população depende do transporte público e, já no trajeto para o trabalho, se expõe a um risco de contaminação pelo Coronavírus gritante. “Todos sabem da aglomeração que o transporte público na cidade causa, principalmente nos horários de fechamento do comércio. Zelar pelo cumprimento das medidas sanitárias, no ambiente do trabalho, para posteriormente aglomerar-se todos no terminal e nos ônibus, é extremamente ineficiente”, pondera.
Conflitos trabalhistas
Conforme explica Alex R Coelho, do Departamento Jurídico do Sindcomérciário, a demanda de conflitos trabalhistas levada ao Sindicato teve queda, muito em razão de diversos contratos de trabalho estarem suspensos e a remuneração estar a cargo da União, por meio do Benefício Emergencial da MP 936/2020. Mas a situação pode mudar a qualquer momento: “Algumas irregularidades estão sendo sanadas pela fiscalização da administração pública municipal, que têm zelado pelo cumprimento do Decreto do prefeito. Mas tememos que, ao restabelecerem os contratos com a reabertura do comércio, poderão surgir alguns conflitos quanto ao período ocioso. Portanto, alertamos que o tempo suspenso, ou que houve redução de jornada, não deverá ser compensado em banco de horas, uma vez que o salário está sendo custeado pelo Estado, não pelo empregador. Não há saldo negativo do empregado, salvo o período anterior à medida”, esclarece.
Saldo da crise
Antes da crise, o Comércio de Bens e Serviços possuía cerca 16 mil colaboradores diretos [sem contar os proprietários]. Segundo pesquisa realizada pelo Sindcomércio, 94% das empresas da cidade ouvidas registraram queda nas vendas. E pior: 50% delas estão sem nenhum faturamento. A principal medida inicialmente adotada (52,9% dos entrevistados) tem sido a concessão de férias e, em seguida, a suspensão dos contratos de trabalho (30%). Mas 21,4% dos entrevistados não terão opção, a não ser demitir colaboradores. A estimativa é que 3.400 funcionários sejam demitidos.
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Postado por Redação, no dia 02/06/2020 - 15:04