Professora da Universidade de Liverpool, na Inglaterra, e à frente de pesquisas financiadas pelo WhatsApp e pelo Facebook sobre desinformação, a lafaietense Patrícia Rossini alerta que a circulação de notícias falsas pode ter escala e impacto maiores nas eleições brasileiras de 2020. A pesquisadora defende que o Congresso, que tem uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre o tema, debata leis rígidas para responsabilizar empresas de tecnologia como o Facebook, que já reconheceu não ter sido capaz de impedir a disseminação em massa de fake news no país em 2018.
Por que as fake news são tão atraentes?
Não diria que são atraentes. Os mecanismos que tornam as informações falsas virais são o fato de que elas tendem a circular, ao menos inicialmente, entre pessoas mais propensas a acreditar nelas. Notícias falsas tendem a apelar para preconcepções que já temos e, por isso, temos menos inclinação de questionar. É isso que as torna tão perigosas. Quando atravessam, no caso da política, o espectro ideológico, começam a ser questionadas. Até isso acontecer já circulou bastante e nem todo mundo que viu a mensagem falsa vai ser informado sobre ela.
O que há de diferente no contexto brasileiro?
O que me parece ser uma tendência, não só no Brasil, é a migração do consumo de informações e da discussão política para aplicativos de mensagem. É uma volta para espaços mais privados de discussão. O problema do WhatsApp é que é difícil identificar os conteúdos. As mensagens estão encriptadas. A gente perde um pouco o controle — para não dizer completamente —, tanto é que as pessoas sequer têm informação sobre aquilo que recebem. Você aposta em aspectos que não necessariamente vão te ajudar a identificar se a informação é verdadeira, como quem enviou a mensagem.
O Congresso tem uma CPMI em funcionamento para investigar o uso de fake news nas eleições. Propor novas leis é necessário?
Enquanto as empresas de tecnologia não são punidas e não têm de prestar contas, ficam em uma situação confortável. Toda semana, o Mark Zuckerberg [fundador do Facebook] está na imprensa americana pedindo desculpa por armazenar dados privados em um servidor não protegido e dizendo que isso não vai acontecer de novo. E acontece. Já estados mais reguladores, como a própria União Europeia, têm condições de manter empresas grandes responsáveis pelo que circula em suas plataformas. Na Alemanha, tomam multas pesadas e, portanto, precisam ter muito cuidado com qualquer discurso de ódio em suas plataformas, por exemplo. Em outros países, você tem live (transmissão ao vivo) de terrorista, porque os esforços (das empresas em coibir discursos de ódio) não estão nos países onde não são cobradas. Elas (as empresas) não vão se autorregular. A desinformação é um modelo de negócio. Enquanto dá lucro, ou se traduz em capital político, não há incentivo.
Estamos prestes a viver um novo processo eleitoral. O que aprendemos ou deveríamos ter aprendido até aqui?
As pessoas estão em alerta. O problema é que isso não necessariamente se traduz em questionar as informações. Corremos um risco que nos EUA é diferente, porque lá (os eleitores) não usam redes encriptadas como mecanismos centrais de comunicação. Nas eleições nacionais, tivemos um período intenso, mas as notícias falsas que circulam em nível nacional não são do dia a dia. Nas eleições municipais, será mais difícil controlar as notícias falsas. Pode ser que não se espalhem tanto, de forma massiva, mas é possível que as consequências sejam mais graves, por tratar de questões locais, de pessoas que estão no seu bairro, que fazem parte do seu cotidiano.
Além de ampliar a regulação, o que pode ajudar?
As iniciativas de checagem são importantes, mas é difícil fazer a correção se tornar tão viral quanto a informação falsa. É um problema da forma como essas redes são estruturadas. Uma coisa que parece funcionar é ser corrigido na sua própria rede. A correção social, o constrangimento, parece ser eficaz para reduzir o compartilhamento. O problema maior é a informação que é compartilhada quase que acidentalmente, sem a intenção de enganar. Muitas pessoas que compartilham notícias falsas o fazem porque [aquilo lhes] parecia urgente ou importante. Que agentes maliciosos vão continuar espalhando desinformação, não tenho dúvida. A questão é se as pessoas vão se tornar um pouco mais aptas a identificar se devem ou não repassá-la.
(Publicada originalmente n’O Globo)
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Postado por Redação, no dia 05/02/2020 - 15:43