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Pesca


Domingos Alves Batista, a lenda viva do rio Paracatu



P. de Souza
Pescador e repórter

 

Cabra macho, daqueles sertanejos mineiros que não desistem nunca, são extremamente humildes e gostam das coisas simples e do jeito mineiro de ser e de viver. Assim é Domingos Alves Batista, 77 anos, nove filhos, vários netos e alguns bisnetos, morador da localidade de Porto Curralinho, na beira do rio Paracatu, o maior afluente do Velho Chico, e localizado a 100 km de Pirapora, 50km de Santa Fé de Minas e 70km de Brasilândia de Minas. Porto Curralinho é um pequeno lugarejo, típico do sertão mineiro, com modo de vida peculiar ao descrito pelo imortal escritor João Guimarães Rosa, em sua obra prima "Grande Sertão Veredas". Seo Domingos, como é conhecido, já foi vaqueiro, garimpeiro, pescador, caçador e viveu na pele as transformações do lugar onde passou 66 anos de sua vida.


Nascido em Santa Fé de Minas e filho de Egídio Alves Batista e Geraldina Nunes da Silva, foi morar em Porto Curralinho com 10 anos, em 1953. Nessa época, o acesso à comunidade era feito pelo rio Paracatu, que na ocasião, recebia mensalmente a visita do vapor Paracatuzinho, que fazia a linha de Pirapora, no rio São Francisco, Brasilândia de Minas, já no rio Paracatu e seguia até Januária. No mês seguinte, o trajeto era invertido, do rio São Francisco até a boca do Paracatu, daí subia esse curso dágua até Brasilândia e descia novamente até a boca, para em seguida voltar para Pirapora, cidade muito movimentada na época. O outro acesso ao lugarejo era feito no lombo de burros, já que não havia estrada e apenas trilhas até os grandes centros da época.


Segundo Domingos, o vapor levava mantimentos, carne salgada, peixes, querosene, e o pagamento era feito com lenha e peixes. No barco, além da carga citada, transportava-se gado de corte para o Nordeste, via Januária e para o Sudeste, via Pirapora. Pescava-se e caçava-se muito na época e tudo era conservado no sal e na gordura de porco, para não estragar. O rio Paracatu era piscoso, muito profundo e navegável por cerca de 300 km, assim como seus maiores afluentes, o Preto, da Prata e o rio do Sono, todos com fartura de caça e peixes.


A degradação, segundo Domingos, começou com o garimpo de diamantes, na década de 70, no rio do Sono, e na instalação de dragas para as plantações de feijão, milho e soja, no rio Preto. Essas mudanças provocaram o assoreamento do Paracatu e inúmeras mortandades de peixes nos anos 80 e 90. "Tinha dia que o rio amanhecia coberto de surubins, dourados, pirás, curimatãs, piaus e corvinas mortos, em todo o seu leito. Era de cortar o coração, mas não podíamos fazer nada, apenas registrar a cena com os olhos marejados de tristeza", disse Seo Domingos, que hoje, além de manter uma vida saudável, cuida de suas terras, entre as quais o pedaço que vendeu para a turma dos Cinco Amigos de Lafaiete: José do Carmo Guilherme, Luiz Flávio Villela, Ronaldo de Oliveira, Mauro Moreira e Chico Piraguara. Foi nas antigas terras de Seo Domingos que os amigos construíram o rancho, que deu nome ao grupo. Domingos toma conta da casa, do quintal e ajuda nas plantações de mandioca e outras culturas.

Atualmente, ele se tornou um dos guardiões da natureza e amigo do rio Paracatu, que apesar de todas as agressões sofridas pelo homem, ainda é refúgio de muitas espécies de peixes e de animais silvestres. Em pleno 2020 da pandemia, é possível ver às margens do curso d'água, antas, capivaras, araras azuis e vermelhas, além de muitas espécies de peixe, como o surubim e o dourado. O sertão e as veredas descritos por Guimarães Rosa, infelizmente, se transformou numa terra cheia de eucaliptos, areia e muito cascalho. Numa pescaria recente, o colunista teve dificuldade, mesmo com a abundância de chuvas neste ano, de navegar numa voadeira, com motor de 15 HP até a boca do Paracatu com o rio do Sono, a 6km de Porto Curralinho. Domingos acredita que se o bicho homem tomar jeito e parar de agredir o rio e seus afluentes, ainda será possível mostrar a nossos netos a beleza e o esplendor do rio Paracatu, o maior afluente do Velho Chico. Que Deus ilumine as palavras e o coração de Domingos Alves Batista, a lenda viva e um contador de histórias que faz inveja e emociona até o mais indiferente dos seres humanos.

O sertanejo Domingos Alves Batista (à direita) posa para nossa coluna ao lado de um dos sócios do Rancho Cinco Amigos, José do Carmo Guilherme. Abaixo, a beleza do rio Paracatu, que em pleno ano de 2020, mesmo com a destruição provocada pelo homem ao longo dos anos, ainda é capaz de oferecer dourados, surubins, matrinxãs, piaus, corvinas e outros tantos peixes nobres.

 



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Escrito por Pesca, no dia 27/08/2020




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