Eis uma faca de dois gumes: aprender em casa. O ?homeschooling? é ideia antiga. Muitos filhos de militares viveram essa experiência, por causa das constantes transferências de seus pais e por razões religiosas. Esse é um dos gumes da questão: a opção conservadora para resguardar os filhos contra as ideias de autonomia intelectual. O outro gume da faca é exatamente a perspectiva de aprender com autonomia intelectual, fora de garras das pedagogias institucionais, muitas vezes, voltadas à prisão da inteligência, fundadas em pedagogias da submissão.
Na década de 1960, esses dois gumes ficaram mais visíveis. Enquanto McLuhan previa um futuro tecnológico de aprendizagens por satélites (leia Mutações em Educação), com tecnologia capaz de assegurar a autonomia intelectual do indivíduo, nessa mesma década, grupos evangélicos lutavam arduamente contra as ideias ousadas trazidas pela contracultura, a começar pelo uso do anticoncepcional e da calça comprida pela mulher. O motor da questão era religioso. Essa é a mesma razão do projeto de Bolsonaro e equipe.
O governo federal prevê medida provisória dentro dos 100 dias de gestão para liberar o direito de média de 31 milhões de famílias poderem formar seus filhos em casa. Vão lançar mão de uma medida macro, para resolver situação micro de um grupo de famílias. E a motivação é a mesma norte-americana de famílias aterrorizadas com a abordagem evolucionista da Biologia. A decisão é desviar os olhares infantis da teoria evolucionista de Darwin e impor a elas o olhar religioso criacionista. Deixo uma questão fulcral para reflexão: A Biologia cai no viés ideológico, correto? E a imposição da visão criacionista não cai também em viés ideológico? O governo atual quer aplicar o positivismo de Augusto Comte, do século XIX, que norteou as ideias militares, a começar de Benjamin Constant com o velho lema ?Ordem e progresso?. O positivismo fracassou.
Portanto, a razão é religiosa, chegando, em alguns casos, ao fanatismo. A tendência dos governos de direita, no momento, é tentar resgatar e reconstruir tradições e brecar evolução social, política e econômica, pois neoliberalismo me parece retrocesso tão brutal quanto as outras visões de mundo retrógradas que alguns grupos estão buscando remontar. No mínimo, as contradições vão expor as nervuras dessa insensatez. Apesar disso, as decisões governamentais estão de vento em popa. Eis algumas:
?O governo de Jair Bolsonaro colocou como meta para os primeiros 100 dias de gestão editar uma medida provisória para regulamentar a educação domiciliar de crianças em idade escolar, o "homeschooling". No fim do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a prática da modalidade no país até que seja regulamentada pelo Congresso Nacional, após debate com a sociedade.
A meta não está ligada ao Ministério da Educação (MEC), mas ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, sob o comando de Damares Alves. Segundo o texto, a medida iria beneficiar 31 mil famílias que se utilizam desse modo de aprendizagem.
Há mais de 5 anos, a Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned) defende a legalização e regulamentação da modalidade no país. Eles sugerem que sejam estabelecidas regras para o acompanhamento de órgãos públicos das crianças que são educadas em casa. Em 2017, a associação fez uma pesquisa e identificou que 3,2 mil famílias no País já aderiram ao modelo, atendendo cerca de 6 mil crianças.?
O debate está lançado. Na faca de dois gumes, o corte escolhido foi o de viés ideológico religioso. Está provado, mais uma vez, como tenho insistido nos meus textos, que não existe neutralidade ideológica nos processos formativos dos indivíduos, independente de idade e estágio de formativo. Felizmente ou infelizmente, temos de sujar as mãos com a ideologia para construir qualquer tipo de processo histórico social.
José Antônio dos Santos
Mestre pela UFSJ e membro da ACLCL
Contato ? joseantonio281@hotmail.com
Fonte da parte citada: https://www.terra.com.br/noticias/governo-bolsonaro-coloca-como-meta-prioritaria-regulamentar-ensino-domiciliar-no-pais,6ebe60d1b13590c57528dfb3533b2695sa830snn.html . Acessado aos 26.janeiro.2019
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Escrito por Educação, no dia 08/02/2019