Agora vamos concluir, provisoriamente, a saga do celular dentro de sala de aula e o desespero dos professores diante da incapacidade deles de controlar mais de quarenta alunos usando o móbile, Deus sabe lá se está sendo mesmo com função didática. Por isso, em São Paulo, os mestres tiveram que normalizar o uso, buscando apoio e a chancela da família.
?O passo adiante veio em 2014, quando decidiu criar uma situação contratual: "Criei um grupo de WhatsApp para minha classe de ensino médio. Conversei com os alunos para fazermos as regras. Chamei os pais, conversei mais. Fizemos um acordo assinado entre todas as partes. Ajudou muito. Os alunos que faltavam recebiam material, os pais viam o que estava acontecendo e ajudavam, eu mandava mensagens para incentivar as pesquisas fora da sala de aula. Muitos trabalhos começaram a ser feitos, inteiramente na rede."
Débora Siqueira, professora de geografia, também achou suas alternativas. Organizou um grupo no celular para um trabalho coletivo inovador: os alunos toparam trabalhar além do horário da aula para fazer uma exposição que misturava futebol com preservação ambiental. O ponto alto foi uma maquete feita a partir de plantas técnicas do Maracanã que um aluno conseguiu, feita com material reciclável. Assim foi reavaliando a realidade: "Os alunos têm muita informação. Mas informação rasa, superficial. Toda vez que precisam ler um texto literário ou analisar, sofrem. Escrevem como falam, não conseguem entender a lógica da linguagem escrita. Cada vez que dou um texto mais complexo é uma choradeira só, muitos fogem. Fica difícil preparar para desafios formais como o Enem".
Claudia Zanchetta, orientadora pedagógica da escola, conhece bem as forças que levam à informação rasa: "O problema em geral explode na adolescência. O objetivo dos alunos passa a ser o de ter mais amigos na rede, de ser mais popular. Os métodos para ganhar curtidas na escola incluem coisas como empilhar cadeiras, fotografar e mandar mensagem dizendo que não foi pego ? e ele pensa: 'Eu sou o cara'. Escuta música alto, manda mensagem para o aluno que está prestando atenção. É difícil fazer eles entenderem os desafios da cidadania e do mundo formal", afirma. O caminho contrário, dos alunos para os professores, também é difícil. Alguns alunos conseguem encontrar informações complexas com ajuda do celular. Kaio Dinis Miranda, 16, lista a jato uma série de conhecimentos que obteve sozinho: "Estudei ufologia, filosofia, inglês. Teoria da origem de Anaximandro, Tales de Mileto, Anaxágoras, os estudiosos da Arché. Bastante de atomística, das razões da organização da matéria." Seguindo o caminho da rede, acabou deixando outros de lado: "Na escola aprendi bem pouco, ela tem um repertório bem limitado e eu quero expandir muito. Assim eu desanimo. Acaba que, em vez de eu copiar, deixo de lado. Quando eles me pedem o caderno não tem nada, porque está tudo na minha cabeça".
A diferença entre o muito que está na cabeça e o pouco que está no caderno, o informal da informação e o formal do conhecimento, acaba cobrando seu preço: apenas neste ano ele pegou sete recuperações. Maria de Fátima Soares, a diretora, entende essa dificuldade pela experiência. Ela diz que até a quinta série o aluno tem um professor só, que sabe o nome de cada aluno e tem mais relação com os pais. "Raramente o celular é um problema nessa fase. Na sexta série tudo muda de repente. São oito ou nove professores que mal sabem o nome do aluno, não perguntam se ele está com dor de barriga. Os pais ficam com muito mais dificuldade para acompanhar. Então ele fica sozinho e aturdido, entrando na adolescência", afirma. "Neste momento o celular fica muito mais importante, ele usa mais a rede, a classe fica mais barulhenta, as publicações muitas vezes são ofensivas. Só quando vai chegando ensino médio, a pressão pelo trabalho ou pelo vestibular, a entrada no mundo adulto, as coisas voltam a melhorar", completa.
Este é o buraco negro
temporal da guerra do celular. Para superá-lo, Rodrigo Matos vê a profundidade
de um propósito: "Sou do bairro. Luto para que essa escola não seja nunca
um depósito, um lugar onde o pai larga o filho porque não sabe como ele está
aprendendo. É difícil fazer do celular uma ferramenta pedagógica, usá-lo para
formar uma consciência, mesmo que seja para muitos anos depois. Mas essa é a
guerra que tem de ser vencida", diz.
José Antônio dos Santos
Mestre pela UFSJ
Contato: joseantonio281@hotmail.com
Fonte - http://www1.folha.uol.com.br/ educacao/2018/01/1949859-lei-que-permite-celular-em-aula-da-tregua-para-professores-e-alunos.shtml. Acesso aos 13/01/2018.
Você está lendo o maior jornal do Alto Paraopeba e um dos maiores do interior de Minas!
Leia e Assine: (31)3763-5987 | (31)98272-3383
Escrito por Educação, no dia 22/02/2018